Publicado pelo crunicap
A revelação de Deus, seja em que cultura (e religião) for, se condensa em uma literatura humana. Para o nosso Ariano Suassuna, por exemplo, o mundo é um “pasto incendiado” e a função da arte e, mais especificamente, da literatura, é “salvar do incêndio e deixar alguma coisa de permanente e belo, que escapasse das chamas e das cinzas”. A literatura, de fato, tem a missão de aprofundar, no que tem de mais profundo e específico, o mistério do humano. Brota das pessoas naquilo que têm de mais irredutível, em seu mistério, envolto por silêncio e solidão, antes de abrir-se aos outros com a mediação da linguagem. É a vida que toma consciência de si mesma, quando atinge a plenitude de expressão, valendo-se de todos os recursos da linguagem: conceitos, imagens, símbolos, mas também ritmo e harmonia.
Qual seria nosso conhecimento do que é o homem, se não fosse Homero, Doistoievski e Camus, sem Adélia Prado e Guimarães Rosa, Patativa do Assaré e Clarice Lispector, Ariano Suassuna e João Cabral de Melo Neto? João Cabral é desses grandes da literatura, que captam uma palavra diferente e criativa, que causa diferença em nossas vidas. Por trás das suas palavras aparece uma humanidade tão humana, que acaba transparecendo o divino. É um ateu que fez mais pela inculturação do cristianismo em nossas terras, do que muito padre e pastor juntos. Se a gente fosse ousado para tentar uma edição revista e ampliada dos nossos livros sagrados, teria de incluir muitas passagens inspiradas desses mestres e profetas que, mesmo sem “pertencer a Israel”, ajudam na fé da gente. Afinal, quando a Bíblia foi sendo escrita, muita coisa foi como literatura e não imediatamente sagrada. E João Cabral é desses que auxiliam a rever o sagrado em nosso mundo (...).
Há um tipo de literatura que, embora não sendo explicitamente religiosa, chega, como é mais o caso de João Cabral, a um tal conhecimento do ser humano e de seus problemas e esperanças, que constitui uma fonte fecunda de questões e que estimula a teologia. Por dispor de toda uma riqueza da linguagem expressiva e evocadora das entranhas da gente – como o faz com maestria o poema Morte e Vida Severina. A literatura descobre os abismos que habitam o homem, ao passo que as revelações, e depois as teologias, os assumem para demonstrar como o divino chega a atravessá-los e a iluminá-los. Mas quais são as questões humanas que aparecem na obra de João Cabral e como ele re-vela, para nós nordestinos, Cristo e o cristianismo? As respostas a essas questões se encontram no trabalho de Maria Augusta, cuja leitura é recomendada para professores do ensino religioso, pedagogos e também teólogos.
Augusta parte de um poema dramático que trata da condição humana do homem do sertão, conta a história de um retirante que vai para o litoral e em cada parada se depara com a morte anônima e coletiva, até a chegar ao seu destino final: a cidade de Recife, onde acontece o nascimento de uma criança, símbolo de esperança. Tem como personagem principal o retirante Severino, que representa todos os deserdados que vivem a vida Severina, sem condições de dignidade. O texto de João Cabral possibilita a reflexão sobre a caminhada do sertanejo, que por onde passa faz o registro de toda a situação da vida do povo e da paisagem nordestina, tendo como guia o rio Capibaribe que, como o sertanejo, também sofre com a seca e com as cercas. O objetivo de Severino é a busca incessante de vida mais digna do que a morte. O objetivo de Augusta é buscar no imaginário do texto literário noções de identidade comunitária e de solidariedade ética, de transcendência religiosa através do sagrado que prorrompem em meio ao mangue e à sua cultura. Tudo isso aponta para um caminho criativo na reflexão sobre o fato religioso, que pode e deve integrar a formação integral de nossas escolas. (Apresentação de Gilbraz)
TORRES, Maria Augusta S. Ensino religioso e literatura: um diálogo a partir do poema Morte e Vida Severina. Recife: Fasa, 2012.
* O lançamento do livro será feito no dia 04 de março de 2013, das 14h00m às 17h00m, no 1º andar do bloco B da UNICAP
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