quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ensino religioso ou Ensino confessional

Retirado do site Fé e Política
(Publicado em 30 de jun. de 2011)

Por Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Sociólogo e Professor do Mestrado em Ciências da Religião da PUC Minas.

Em artigo publicado no dia 01/03, o jurista Eros Grau acusa a Procuradoria-Geral da República de ir contra a Constituição por questionar a legalidade do ensino religioso de caráter confessional, previsto no artigo 11 do Acordo Bilateral entre o Brasil e a Santa Sé. Com todo respeito que merece um ex-ministro do STF, quero aqui expressar meu desacordo com suas alegações.

Ao dar a mesma interpretação ao texto do Acordo Bilateral e aos textos da Constituição e das Lei de Diretrizes e Bases de 1996, ele iguala o ensino religioso ao ensino confessional. Ora, o Acordo refere-se a “ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas,” enquanto o texto constitucional e legal fala apenas de “ensino religioso”. Aonde está a diferença, que não é pequena?



O ensino religioso é uma disciplina cuja finalidade é estudar os fenômenos religiosos numa perspectiva intercultural, como elemento da formação cidadã, para ajudar as novas gerações a superarem preconceitos e a respeitarem o direito às diferenças. Objeto difícil, sem dúvida, porque exige um conhecimento bem fundamentado das diferentes expressões da religiosidade humana.

Justamente por isso existem e aumentam no Brasil os cursos de Pós-Graduação em Ciência(s) da Religião, tendo em vista a adequada formação de docentes. É uma disciplina do campo das Ciências Humanas, na qual se entrecruzam as diversas contribuições ao estudo comparado das religiões. Tal estudo enriquece tanto as pessoas que professam uma fé ou tradição religiosa, quanto as que se declaram não-religiosas. Estas, porque terão seu horizonte de conhecimento ampliado numa perspectiva respeitosa em relação às religiões, e aquelas porque serão capazes de integrar suas próprias convicções religiosas a um universo mais amplo de formas de relação com o sagrado.

Já o ensino confessional é um processo educativo cuja finalidade é aprimorar e fundamentar a fé. Seu espaço específico é a própria comunidade religiosa onde essa fé é vivida antes de ser intelectualmente sistematizada. Na Igreja católica, é o espaço da catequese em suas diversas e sucesivas etapas. Nas Igrejas evangélicas, é o espaço da Escola dominical que normalmente acontece em sintonia com os serviços de culto.

Os Centros Espíritas também têm diferentes modalidades de estudo de sua doutrina. Enfim, cada instituição religiosa tem instrumentos apropriados para dar a seus membros uma fundamentação racional de sua crença, ao articular a prática com a teoria da fé.

Erra, então, o ex-ministro ao afirmar que “não há absolutamente nada de novo aí.” A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, foi objeto de muito debate até chegar à definição de ensino religioso como educação para a cidadania. A novidade veio por iniciativa da então governadora Rosinha Garotinho, que adaptou a legislação do Estado do Rio de Janeiro para abrir maiores possibilidades de emprego na rede pública a ministros evangélicos. Essa brecha legal foi aproveitada pelo Acordo Bilateral para introduzir o ensino confessional, e é justamente por isso que sua legalidade está em contestação.

Erra, também, ao inferir que “a religião há de ser ensinada nas escolas (...) por professores ‘não confessionais’, ou seja, por professores não vinculados a qualquer religião, sem religião.” O ensino é não-confessional, não o professor ou professora que o ministra. Uma coisa é expressar sua fé religiosa ou ateísta, outra é fazer da sala de aula um espaço de doutrinação ou de proselitismo. Este é o espírito da nossa legislação, que respeita tanto as religiões quanto a laicidade do Estado.

Concluindo, explicito meu apoio à ação proposta pela Procuradoria-Geral da República contra o acordo Brasil/Santa Sé. Longe de ser “um panfleto anticlerical” ou “um panfleto anticatólico”, ela visa preservar a distinção entre ensino religioso e as diversas formas de transmissão da doutrina religiosa. Como católico, espero que o Poder Judiciário defina de uma vez por todas o caráter não-confessional do ensino religioso nas escolas. Será bom para a cidadania e também para as Igrejas e Tradições religiosas, que devem propriciar a educação da fé no mesmo espaço onde ela é vivenciada, isto é, no interior da comunidade de fé.

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