Texto: Clemir Fernandes
A propósito do ensino religioso nas escolas públicas do Rio e a realização de audiência pública sobre o tema na Câmara Municipal
Católicos, evangélicos, muçulmanos, hare krishnas e maioria dos vereadores presentes, de um lado, defendendo o projeto de lei enviado pelo prefeito Eduardo Paes. Do outro lado, candomblecistas, bruxos pagãos, umbandistas, iurdianos, professores da rede pública e estudantes universitários manifestando-se contrários ao referido projeto que trata da inclusão da disciplina ensino religioso no currículo das escolas públicas do município do Rio de Janeiro.
Com esta ampla diversidade, sem mencionar muitos outros credos e também não-crentes, além de jornalistas, gestores públicos e observadores diversos, aconteceu na Câmara Municipal do Rio audiência pública sobre esse projeto que torna obrigatória a oferta de ensino religioso confessional plural, por parte do Estado (prefeitura), mas optativo para os alunos, mediante manifestação de seus pais e/ou responsáveis.
Dentre as razões apresentadas pelos defensores do projeto destaca-se uma, conforme a fala de um vereador: "os alunos das classes médias tem acesso a escolas que oferecem, ou não, ensino religioso, enquanto que os alunos de famílias pobres ficam sem essa possibilidade. Por isso, a disciplina de ensino religioso deve ser uma obrigação do poder público e uma opção para os alunos". Fazendo coro, irmanados, tinham vereadores tanto do PT e PMDB quanto do DEM e PSC. Para outros apoiadores dessa mesma posição, o ensino religioso é visto como uma espécie de redenção dos alunos "numa sociedade complicada como a brasileira que carece de valores morais e respeito pelo próximo", explicavam.
As manifestações opositoras ao projeto lembravam o princípio constitucional do estado laico, sempre retrucado pelos contrários de que "o estado é laico mas não é ateu" e que "a sociedade é profundamente religiosa, por isso um projeto como esse se justifica". Os contrários que se manifestaram diziam da impossibilidade de seguir uma lei como essa, face à vasta diversidade religiosa no conjunto da sociedade, logo, também nas escolas, tornando-se portanto irreal oferecer professores de todos os credos possíveis segundo a realidade dos alunos em cada escola. Mais ainda: os educandos que não optarem por esta disciplina, o que será oferecido a eles? Outros questionamentos e criticas mostravam que falta, muitas vezes, professores de disciplinas fundamentais, conforme denuncia vários professores presentes. Por que não se resolve isso? Perguntavam.
O ISER e o ensino religioso nas escolas públicas
Uma das reflexões críticas que se faz diante de um projeto assim é se aulas de ensino religioso nas escolas, especialmente com a especificidade de tal projeto, contribui, de fato, para a cidadania, o respeito e valorização da diversidade, a relação de fraternidade que deve haver nas escolas, ou ele provoca a antítese do que almeja, isto é: mais divisão, logo, mais conflitos, disputas, ofensas, estigmas e novas formas de bullying no contexto escolar?! Porque a escola é o primeiro espaço público formal que tem como alvo promover educação para a cooperação e fortalecimento da vida em sociedade. Objetivando sempre o bem comum, não para fomentar qualquer tipo de segmentação, principalmente divisão numa área marcada por paixão, como a dimensão religiosa. Testemunhos de professores da rede estadual e também de pais na referida audiência informam sobre constrangimentos provocados contra alunos de religiões minoritárias, especialmente de origem africana são freqüentes. Um exemplo dado informou que, numa certa escola um aluno perguntou para a professora sobre quando haveria aulas sobre sua própria religião, pois até então o que tinha prevalecido era apenas de conteúdo católico, ao que ela teria respondido: mais pra frente. Mas é um tempo que nunca chega, denunciou a professa.
Como foi dito, a audiência contou com ampla participação de grupos religiosos e entidades da sociedade civil, mas pareceu um jogo de cartas marcadas, para legitimar o próprio processo tido como democrático, pois o prefeito e sua base aliada, conta com o apoio (ou seria pressão?) de denominações majoritárias como católicos e evangélicos. Como foi dito lá pelo vereador representante da Igreja Universal do Reino de Deus: A iniciativa da audiência é boa, mas sem valor prático, pois as posições estão definidas e o projeto do prefeito não sofrerá mudanças e será aprovado. Porque já foi decidido e é assim que certos grupos querem, criticou ele.
O ISER participa historicamente deste debate e reafirma sua posição de defesa da laicidade do estado e respeito pela diversidade, inclusive religiosa, mas não - ou por isso mesmo - apóia a inserção de disciplinas de natureza religiosa na formação educacional mantida pela sociedade mediante subvenção do poder público. Preconizamos uma sociedade plural e diversa, por isso mesmo com respeito por todos e não com privilégios para alguns. Pois o texto da lei em pauta serve, seguramente, aos interesses de grupos religiosos dominantes e predominantes. Além de não ser legal nem justo, dificulta a construção de uma sociedade de direitos (e deveres) iguais para todos.